sexta-feira, 31 de julho de 2015

MIRAGEM


           MIRAGEM
    Tardinha. Uma chuva fina e impertinente caia gelada. O céu cinzento e carrancudo. Sombrinhas coloridas misturadas aos guarda-chuvas dançavam um bailado de muita gente. Confundiam-se com os matizes dos letreiros policromáticos e das barracas atulhadas de livros.
     Caminhava lentamente no meio da multidão que engrossava a Feira àquela hora. Observava silente o vai e vem misterioso Alguns com sacolas cheias de livros. Outros apenas olhos curiosos e dedos hábeis e cobiçosos remexiam as caixas examinavam os volumes, auscultavam os títulos e os preços. Consultavam os autores e depois seguiam em frente distraídos.
    Tenho como hábito sagrado visitar todos os anos a Feira do Livro. Passar tardes, entrar noites entre os passantes. Chegar em todas as barracas.Assistir os eventos ali realizados.Comprar meus autores preferidos.Pedir autógrafos A Feira para mim, como muitas pessoas afeiçoadas à leitura, é uma festa. Festa para os olhos, festa para a alma. Agora estava mais uma vez naquele lugar, naquela praça. Perdia-me no mundo de sonhos e de poesia. A Feira é um mundo mágico que me conduz aos castelos misteriosos de reis e rainhas que povoam minha infância. Com olhos ávidos tomava em minhas mãos os livros com suas capas coloridas, brilhantes, títulos sugestivos. Acaricia-os com a ternura de uma mãe que abraça os filhos como tesouros preciosos. Minha vontade era comprar muitos. Examinava os preços.
   A tristeza empanava-me o rosto, confrangia-me o coração. O magro salário de professora aposentada mal dava para comer, custear as despesas mais urgentes e imprescindíveis. Os livros meus companheiros inseparáveis que outrora lotaram minhas estantes estavam se tornando raros como se fossem objetos supérfluos. Cheguei numa barraca onde estavam expostos os livros pockts. Estes eram mais acessíveis ao meu parco orçamento de professora... Comprei Antologia Poética de Mário Quintana. Saí feliz abraçada com o invólucro como quem carrega uma preciosa relíquia.
    De repente meus olhos se arregalaram de espanto e admiração. O coração saltou dentro do peito e infindável emoção tomou conta do meu ser.
    Entre os transeuntes divisei uma figura arcada, de cabeça branca, com um terno escuro, simples e surrado apoiado numa bengala. Caminhava com passos lentos, macios, compassados. Apressei-me ele continuava sempre. Diáfano, inatingível Chegando mais perto ouvi sua voz recitando baixinho:
 “Todos estes que aí estão,
atravessando meu caminho.
Eles passarão...
“Eu passarinho.”
   Tive o ímpeto de gritar: “poeta! Espere! Quero um autógrafo”.
   Fiquei parada com o livro nas mãos diante da imensa fila
como que hipnotizada.Todos aguardavam o autógrafo do escritor Moacyr Scliar.
    O brigadiano bateu no meu ombro:
-Senhora quer um autógrafo, por favor, entre na fila.
      Assustada saí do meu devaneio e voltei à realidade.


                          SUELY BRAGA

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