sexta-feira, 13 de junho de 2014

INSPIRAÇÃO


              INSPIRAÇÃO
                                     SUELY BRAGA


          A noite chegou silenciosa e envolvente.
Estou sozinho no meu quarto. O mostrador do relógio chato, inespressivo, impssível como uma cara cretina marca doze menos dez. Sentado à minha mesa, olho o papel branco no computador. Depois espio dentro do meu crânio, onde não vislumbro a menor chance de inspiração.
Angústia. Passo a mão pelos cabelos. Torno a fitar os olhos no relógio. Caminho até a janela. A noite está bonita. O céu crivado de estrelas. Procuro ficar em estado de êxtase diante da noite maravilhosa.
Volto para o computador. A brancura da tela não me atrai. Fogem os minutos e nada. A mente parece vazia. Não consigo esboçar uma linha. Pego o telefone e ligo para Mônica. Tocou insitentemente e niguém atendeu. Ela deveria ter saído. Peguei chave do apartamento e resolvi descer. Olhei na porta do edifício e lá fora tudo está tranquilo àquela hora. O silêncio impera. Saio caminhando lentamente pela rua deserta. Embebido pelo espetáculo das estrelas e da lua cheia que desponta entre os edifícios continuo a caminhar. A travessando várias ruas chego à praça, onde os jacarandás floridos estão completamente calados. Ninguém se encontra ali naquela praça, que durante o dia os bancos ficam repletos de pessoas de todas as idades. Até as pombas se recolheram. Atravesso para o outro lado e diviso alguém deitado num banco mais afastado. Aproximo-me e olho um menino encolhido dormindo. Chego e sento-me no pedaço do banco a seus pés. Ele acorda assustado. Pergunto-lhe o nome. Juquinha- disse ele. Por que estás aqui?-pergunto-lhe.
“Não tenho para onde ir, não tenho casa. Vivo na rua.” Olhei seu calção velho e sujo. Sem camiseta, pés descalços, cabelos embaraçados, rosto melado por algum sorvete que lhe deram. Franzino e sujo.
Pergunto-lhe:- estás com fome?”Sim muita fome, meu estômago é um buraco. Passei o dia inteiro sem engolir nada”. Fico parado olhando para aquela figurinha tão abandonada e desprotegida.
Meu coração fica dorido de tristeza e emoção.
Em minha mente vem logo a lembrança de meus netos. Crianças, alegres rodeadas de amor e conforto.
Áquela hora os bares estão fechados. Ali não há nenhuma possibilidade de pagar-lhe algo para comer. Tomo uma atitude. Arrisco um convite:
-Queres vir comigo? O menino Olha-me desconfiado, arisco.
-Para onde? Vem comigo repito decidido.
Sai caminhando ao meu lado. Então posso ver melhor. Aquele menino não tem mais do que uns sete anos. Pergunto-lhe:- não cheiras cola? “Não senhor, não me aproximo dos grupos de drogados. Minha vó que me criou sempre me dizia:” meu filho seja sempre honesto. Não rouba, quando tiveres fome pede. Nunca cai na malandragem. Onde está tua vó –pergunto-lhe.
Vejo uma lágrima embaçar aqueles olhinhos inocentes. “Ela morreu.”
     Chegamos em meu apartamento.Ele entra desconfiado, com os olhinhos esbugalhados, olhando para tudo.
   Levo-o para o chuveiro e dou-lhe um refrescante banho. Ele veste uma camizeta minha. Vamos para a cozinha e preparo um grande e gostoso sanduíche de queijo, mortadela, alface e tomate e um grande copo de suco de laranja que o menino devora como alguém de estômago vazio o dia inteiro.
   Troco as roupas de cama do quarto de hóspedes e chamo o menino. Ele entra devagar, na ponta dos pés, tímido, boquiaberto como se estivesse sonhando. Deita-se com cuidado e logo adormece.
     Volto para o meu escritório com o coração pulsando de alegria e felicidade. Sento diante da tela branca do computador e começo a escrever compulsivamente.


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