INSPIRAÇÃO
SUELY
BRAGA
A noite chegou silenciosa e envolvente.
Estou
sozinho no meu quarto. O mostrador do relógio chato, inespressivo, impssível
como uma cara cretina marca doze menos dez. Sentado à minha mesa, olho o papel
branco no computador. Depois espio dentro do meu crânio, onde não vislumbro a
menor chance de inspiração.
Angústia.
Passo a mão pelos cabelos. Torno a fitar os olhos no relógio. Caminho até a janela.
A noite está bonita. O céu crivado de estrelas. Procuro ficar em estado de
êxtase diante da noite maravilhosa.
Volto
para o computador. A brancura da tela não me atrai. Fogem os minutos e nada. A
mente parece vazia. Não consigo esboçar uma linha. Pego o telefone e ligo para Mônica.
Tocou insitentemente e niguém atendeu. Ela deveria ter saído. Peguei chave do
apartamento e resolvi descer. Olhei na porta do edifício e lá fora tudo está
tranquilo àquela hora. O silêncio impera. Saio caminhando lentamente pela rua deserta.
Embebido pelo espetáculo das estrelas e da lua cheia que desponta entre os
edifícios continuo a caminhar. A travessando várias ruas chego à praça, onde os
jacarandás floridos estão completamente calados. Ninguém se encontra ali
naquela praça, que durante o dia os bancos ficam repletos de pessoas de todas
as idades. Até as pombas se recolheram. Atravesso para o outro lado e diviso
alguém deitado num banco mais afastado. Aproximo-me e olho um menino encolhido dormindo.
Chego e sento-me no pedaço do banco a seus pés. Ele acorda assustado. Pergunto-lhe
o nome. Juquinha- disse ele. Por que estás aqui?-pergunto-lhe.
“Não
tenho para onde ir, não tenho casa. Vivo na rua.” Olhei seu calção velho e sujo.
Sem camiseta, pés descalços, cabelos embaraçados, rosto melado por algum
sorvete que lhe deram. Franzino e sujo.
Pergunto-lhe:-
estás com fome?”Sim muita fome, meu estômago é um buraco. Passei o dia inteiro
sem engolir nada”. Fico parado olhando para aquela figurinha tão abandonada e
desprotegida.
Meu
coração fica dorido de tristeza e emoção.
Em
minha mente vem logo a lembrança de meus netos. Crianças, alegres rodeadas de
amor e conforto.
Áquela
hora os bares estão fechados. Ali não há nenhuma possibilidade de pagar-lhe
algo para comer. Tomo uma atitude. Arrisco um convite:
-Queres
vir comigo? O menino Olha-me desconfiado, arisco.
-Para
onde? Vem comigo repito decidido.
Sai
caminhando ao meu lado. Então posso ver melhor. Aquele menino não tem mais do
que uns sete anos. Pergunto-lhe:- não cheiras cola? “Não senhor, não me
aproximo dos grupos de drogados. Minha vó que me criou sempre me dizia:” meu
filho seja sempre honesto. Não rouba, quando tiveres fome pede. Nunca cai na
malandragem. Onde está tua vó –pergunto-lhe.
Vejo
uma lágrima embaçar aqueles olhinhos inocentes. “Ela morreu.”
Chegamos em meu apartamento.Ele entra
desconfiado, com os olhinhos esbugalhados, olhando para tudo.
Levo-o para o chuveiro e dou-lhe um
refrescante banho. Ele veste uma camizeta minha. Vamos para a cozinha e preparo
um grande e gostoso sanduíche de queijo, mortadela, alface e tomate e um grande
copo de suco de laranja que o menino devora como alguém de estômago vazio o dia
inteiro.
Troco as roupas de cama do quarto de
hóspedes e chamo o menino. Ele entra devagar, na ponta dos pés, tímido, boquiaberto
como se estivesse sonhando. Deita-se com cuidado e logo adormece.
Volto para o meu escritório com o coração
pulsando de alegria e felicidade. Sento diante da tela branca do computador e
começo a escrever compulsivamente.
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